Ex-presidente do Inep e especialistas em educação analisam as perspectivas para a prova
Fonte: Contee/Carta Capital
Em menos de um mês, nos dias 17 e 24 de janeiro cerca de 5,6 milhões de candidatos vão realizar a edição impressa do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Com o aumento de mortes devido ao repique da pandemia de Covid-19, as medidas de segurança sanitárias se tornam ainda mais importantes para preservar minimamente os alunos e aplicadores da prova.
O Inep, responsável pelo Exame, estimou abrir mais 4 mil pontos de aplicação da prova. O que soma um total de 205 mil salas, 60 mil a mais do que na edição de 2019. Além das salas comportarem metade da quantidade de alunos, há também uma seleção dos grupos mais vulneráveis à Covid-19 que realizarão a prova em salas reduzidas com apenas 12 pessoas.
Segundo o órgão, essa classificação seguiu as regras do Ministério da Saúde, já sendo verificados no questionário que os candidatos respondem no momento de inscrição. Estão nesse grupo: gestantes, lactantes, idosos e pessoas com condições médicas preexistentes, como cardiopatias, doenças pulmonares crônicas, diabetes, obesidade mórbida, hipertensão, doenças imunossupressoras e oncológicas.
No entanto, a verba de 178,5 milhões de reais disponibilizada para essas medidas de proteção, compra de álcool em gel e aluguel de salas não foi usada pelo MEC, segundo informações do jornal O Globo. Procurada pela reportagem, o Inep não respondeu sobre a viabilidade dessas propostas de segurança apresentadas para a prova.
A segurança e aplicabilidade das medidas sanitárias também são pautas na Câmara dos Deputados. O deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) requisitou informações detalhadas ao MEC sobre ações de segurança para aplicação da prova. Outros seis deputados de diferentes estados também assinam o pedido, que deve ter resposta até o dia 8 de janeiro, um mês depois da solicitação.
A data do exame foi adiada sem não levar em conta a opinião dos estudantes. Uma enquete realizada ainda sob a gestão de Abraham Weintraub mostrou que a maioria prefere fazer a prova em maio de 2021. O adiamento voltou a ser questionado pelos estudantes no Twitter com a hashtag #AdiaEnem.
A data definida para o Enem 2020 impede que os alunos tentem as vagas nas universidades no primeiro semestre. “Isso mostra o quão acertada foi a proposta dos alunos em realizar o Enem em maio. Teria dado muito mais tempo para os jovens se preparem, mais tempo pensando que até lá podemos chegar a uma taxa de vacinação um pouco maior”, pondera Claudia Costin, especialista em políticas educacionais e diretora Geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV.
Para Maria Inês Fini, ex-presidente do Inep, é preciso adiar o exame e articular entre os órgãos de educação soluções para amenizar as consequências do aumento da defasagem, ampliada pela pandemia.
“O mais adequado, a partir de uma concertação nacional, seria termos adiado essa edição do Enem e atrasado o início das aulas nas universidades no ano letivo de 2021. Nós tínhamos que ter no Ministério da Educação um grande maestro para orquestrar todas essas datas, essas condições”.
“Falta um pouco de bom senso nesse sentido, porque você deveria mesmo fazer uma organização com as universidades para que quem vai usar o Enem, não deixar de usar o resultado no início do ano letivo do ano que vem”, pontua.
O vai e vem tem provocado suspeitas de eventuais erros na aplicação da prova. Fini, contudo, não vê maiores riscos e ressalta a experiência das fundações responsáveis pela tarefa. A Cesgranrio é responsável pela aplicação desde da fundação do Enem em 1998. Já a FGV integra o consórcio desde 2017.
“Quem vai aplicar a prova é o mesmo consórcio de aplicações anteriores. Não há motivo para preocupação, porque essas condições de logísticas são todas muito amadurecidas. Tudo isso tem que ser mantido, porque já há uma consolidação dessas experiências anteriores.”
‘Enem é um patrimônio’
Os resultados também preocupam. A edição de 2019 do Enem foi marcada por erros na correção e erros na lista de espera para as vagas. Para Fernando Cassio, professor adjunto de políticas educacionais e direito à educação da UFABC, essa insegurança coloca em risco a idoneidade do Exame.
“O Enem é uma espécie de patrimônio nacional, é muito difícil você desmontar. A questão que esse governo precisa responder é a seguinte: o que eles vão pôr no lugar? A partir do momento que você unificou o ingresso, você simplificou e barateou demais o sistema, o tornou muito mais democrático, muito mais amplo. Desmontar isso implica em dificultar o acesso à universidade”, diz.
Em 2019, o ProUni ofertou no primeiro semestre 244 mil bolsas em 1,2 mil faculdades particulares por meio do resultado do Exame. No mesmo ano, o Sisu, maior porta de entrada às universidades públicas do país, ofertou 235 mil vagas em 76 instituições de ensino.
Algumas instituições de prestígio como a Unicamp deixaram de usar a nota do Enem no vestibular de 2021. Essa foi uma inversão recente. Em 2019, os estudantes comemoraram a decisão da nova possibilidade de ingresso à instituição via Enem, com mais vagas a estudantes de escolas públicas e pretos, pardos e indígenas.
“Vamos ter um retrocesso de anos em um processo de inclusão que ainda era muito inicial e muito incipiente”, avalia Claudia Costin. “Se olharmos para o fato de que menos de 21% da população adulta se formou em uma universidade, a gente compara muito mal em relação a países do mesmo nível de desenvolvimento econômico.”
As perspectivas para o Enem também afetam a confiança dos estudantes no processo educacional. Por exemplo, na decisão de deixar ou não a escola nos próximos anos. A pesquisa “Juventudes e a pandemia do Coronavírus” , do Conselho Nacional da Juventude, em parceria com outras organizações, mostrou que 49% dos entrevistados pensaram em desistir do Enem este ano e outros 28% pensaram em deixar a escola.
“É um dos problemas mais importantes, a recuperação da aprendizagem perdida e manter a conexão dos alunos com a escola. A gente parar de se desenvolver em terras ideológicas e começar a olhar para a educação como política de estado e não como política de governo”, acrescenta Costin.
Carta Capital